Para o ministro Roberto Mangabeira Unger, regularização fundiária, combate ao desmatamento e alternativas de produção viáveis e ambientalmente seguras são principais eixos do Plano de Amazônia Sustentável.
Ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicas, Roberto Mangabeira Unger falou nesta sexta-feira (1º) ao programa Bom Dia Ministro. Na entrevista com jornalistas, com duração de uma hora e transmitida para rádios de todo o País, Unger abordou temas como o Plano Amazônia Sustentável, o desmatamento ilegal e o serviço militar obrigatório. Leia abaixo os principais trechos.
Plano Amazônia Sustentável - É a primeira vez na história do Brasil que a Amazônia ocupa o centro da atenção nacional, vista como vanguarda e terreno privilegiado para repensar e reogarnizar o País. Há uma grande co nvergência sobre a tese do desenvolvimento sustentável. Apesar dos conflitos pontuais e transitórios que possam existir entre objetivos, preservação e desenvolvimento, a grande maioria dos brasileiros compreende que preservação depende de desenvolvimento e desenvolvimento depende de preservação. O esforço nessa fase inicial de coordenação do Plano de Amazônia sustentável tem sido trabalhar com os meus colegas ministros e sobretudo com os governadores dos nove estados da Amazônia Legal para definir os grandes eixos e iniciativas práticas. O primeiro tem a ver com regularização fundiária e zoneamento ecológico e econômico. Esse é o problema prioritário na Amazônia. O segundo diz respeito à persistência nas medidas contra o desmatamento. O terceiro tem por assunto a construção de alternativas de produção economicamente viáveis e ambientalmente seguras para as populações de pequenos produtores que atuam nas zonas de transição entre a floresta e o cerrado. O quarto eixo é a reorg anização da agricultura e da pecuária brasileiras a partir da Amazônia e dos cerrados. O quinto é a indústria de transformação, indústria florestal na Amazônia florestada, indústria de transformação de produtos agropecuário e minerais na Amazônia e dos cerrados. O sexto é o transporte multimodal, para integrar rodovia, ferrovia e hidrovia. E o sétimo é sobre ciência e educação. A prioridade é resolver a regularização fundiária. Toda Amazônia hoje é um caldeirão de insegurança jurídica. Ninguém sabe quem tem o quê. Enquanto não tirarmos a Amazônia desta situação de insegurança, nada mais funcionará.
Amazônia Legal - Temos hoje na Amazônia problemas que não costumam ser enfrentados ou sequer descritos. Construímos, ao longo do tempo, uma série de proibições legais para as atividades produtivas. Há o Bioma Amazônico, no sentido estrito, e a Amazônia Legal, como um todo. Definir isso é um esforço admirável. Não encaramos a floresta Amazônica como fronteira agrícola. Estamos determinados a preservá-la e precisamos garantir que o regime legal seja executado. Segundo alguns cálculos, se somássemos todas as proibições legais, sobraria, sobraria pouco espaço tanto no bioma amazônico quanto no cerrado para as atividades produtivas legítimas. Outro aspecto que limita a atividade produtiva é o sistema de reservas legais. Na Amazônia florestada, é 80% de reserva e 20% aberto à produção, independentemente do tamanho da propriedade. O que pode levar à formação de microtabuleiros: áreas que são pequenas demais para serem úteis tanto para a preservação quanto para a produção. Por tudo isso, precisamos construir um sistema que assegure áreas coerentes de produção e de preservação. E resolver o problema da ilegalidade maciça e retrospectiva em que foram colocadas algumas populações em certas partes da Amazônia, por conta destas regras.
Eficiência sustentável - Hoje, há um desnível entre a relativa ineficiência econômica das atividades sustentáveis e a relativa eficiência econômica das atividades devastadoras. Enquanto persistir este desnível, continuaremos a depender de proibições legais e de sanções criminais para proteger a floresta. É uma situação precária e transitória e a única solução é aumentar a eficiência econômica das atividades sustentáveis.
Participação social - Em algumas partes da Amazônia há um conflito entre produtores e grupos que procuram defender os índios, os negros ou os valores da preservação. Esses grupos querem que o governo federal se posicione no conflito. Uma solução duradoura não pode ser construída de cima para baixo, por imposição de governo central. Deve ser construíd a também de baixo para cima. Só assim faremos do projeto Amazônia Sustentável um projeto de Estado, não apenas de governo. Um projeto que possa sobreviver ao atual governo e ser abraçado pela Nação.
Soberania da Amazônia - A premissa de todo nosso trabalho é a reafirmação inequívoca e incondicional da nossa soberania na Amazônia. Quem cuida da Amazônia brasileira é o Brasil. Estamos conscientes da importância de construir uma estratégia de defesa da Amazônia, que passa pelo binômio monitoramento e mobilidade. Ao mesmo tempo, estamos conscientes de que a longo prazo a defesa eficaz da Amazônia depende de projeto econômico e social, sem o qual não haverá estruturas produtivas e sociais organizadas. E uma vasta região sem estruturas produtivas e sociais organizadas é muito difícil de defender. Portanto, a verdadeira solução está numa combinação de defesa, que já começamos a tomar, e a construção de projeto sustentável da Amazônia.
Desmatamento ilegal - O desmatamento hoje na Amazônia tem três grandes focos. O primeiro é a invasão das terras públicas por madeireiros ilegais e aventureiros. A tarefa prioritária é a regularização fundiária e o ponto de partida de um esforço nesta regularização é o estado brasileiro tomar conta do que é seu. Para controlá-las é preciso conhecê-las. O segundo são as atividades dos pequenos produtores, extrativistas ou agrícolas, que atuam nas zonas de transição entre a floresta e o cerrado. Muitas vezes funcionam como uma linha de frente involuntária da devastação. Queremos convertê-los em um cinturão de proteção da floresta. Para isso, é preciso definir atividades legítimas de produção, que sejam economicamente viáveis e ambientalmente seguras. Lavouras perenes, cultivo de peixes, plantio de árvores e produção para biodiesel: todas as atividades terão de ser apoiadas técnica e financeiramente. Para os que lidam com esse tipo de trabalho, proponho construir um mecanismo de remuneração, além dos ganhos normais com as atividades produtivas, em troca das obrigações que assumiriam de monitorar e de prestar contas. Mas há muitos problemas a resolver. Temos que municiar com quadros e meios técnicos as Unidades de Conservação, essa uma grande preocupação do ministro Carlos Minc (Meio Ambiente). Ao mesmo tempo, decidir onde, quando e como reflorestar áreas.
Defesa das fronteiras - O Brasil é o menos beligerante dos países grandes em toda a história moderna. Temos uma indisposição arraigada contra o conflito violento entre as nações. Esse nosso pacifismo não nos exime da necessidade de nos defendermos. Pelo contrário, aumenta nossas responsabilidades. Por isso é que estamos construindo uma estratégia nacional de defesa em três grandes vertentes: a primeira é a reconstrução e a reorientação das forças armadas para que possam desempenhar as suas responsabilidades em tempos de paz ou de guerra. Não podemos estar onipresentes nas nossas fronteiras, mas precisamos ter a capacidade de ver a partir da terra, do ar e do espaço o que acontece, e daí responder prontamente. A segunda é a reconstrução da nossa indústria de defesa, tanto na parte privada quanto na estatal. A terceira vertente é dar vida ao serviço militar obrigatório e aos serviços sociais, que poderemos construir como elementos acessórios do serviço militar.
Serviço militar - A Nação precisa debater a estratégia nacional de defesa, inclusive o futuro do serviço militar. Há um consenso entre as lideranças civis e militares de que devemos manter o serviço militar obrigatório. Num país tão grande e tão desigual quanto o nosso o serviço militar é um nivelador republicano, por meio do qual a nação se enc ontra acima das classes. Agora, precisamos discutir como deve evoluir esse serviço obrigatório. Hoje, na verdade, ele é quase voluntário porque há muito mais pretendentes a prestar o serviço do que há lugar nas Forças Armadas. Precisamos, sem medo e sem constrangimento, debater todas as alternativas, inclusive as mais radicais. Uma delas seria dizer se ele é realmente obrigatório. Em vez de os candidatos se escolherem as forças armadas é que deve escolhê-los, por critérios. Um seria o do vigor físico com a capacidade intelectual, não formação cultural. O outro seria representação de todas as classes e regiões do País. Há também a idéia de haver ao lado do serviço militar obrigatório o serviço social obrigatório. Quem não prestasse o militar prestaria o social, com um treinamento militar básico para poder compor uma força de reserva mobilizável em circunstâncias de degeneração mundial ou sul-americana. Não estou propondo e nem dizendo que é proposta do governo. Estou descreve ndo uma tese, entre muitas as que estamos preparando e discutindo.
Trabalho - Desde setembro passado, por orientação do presidente da República, venho discutindo com lideranças sindicais e empresariais uma proposta abrangente de mudanças nas relações de trabalho e o capital no Brasil. Não tivemos uma grande iniciativa institucional em matéria de trabalho desde o período de Getúlio Vargas. O grande defeito do regime existente é que a maioria do povo brasileiro está fora dele. Metade da população economicamente ativa trabalha na economia informal. E uma parte crescente dos trabalhadores que atua na economia formal está em condições de trabalho temporário, terceirizado ou não-assalariado, sem proteção efetiva. A grande preocupação da proposta que estou construindo com dirigentes sindicais e empresariais é resguardar os interesses desta maioria assumida e desorganizada. Estamos mu ito avançados. Há uma grande convergência de opiniões e interesses, claro que não há unanimidade e a Nação precisa acordar para a importância deste tema. O País está ameaçado de ficar espremido numa prensa entre economias de produtividade alta e economias de trabalho barato.
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
Nº71 - Brasília, 1 de Agosto de 2008