O objeto do Protocolo de Kyoto é estabelecer mecanismos econômicos por meio dos quais se busca resultado ambiental, que seria a redução das emissões de gases de efeito estufa. Passado algum tempo desde a entrada em vigor do protocolo, o mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), instrumento do qual participam países que, como o Brasil, não têm obrigação de redução de emissões até 2012, revelou resultado muito abaixo do esperado.
Várias são as razões para tal resultado, destacando-se a perda de identidade do MDL: tomado e transformado pelo mercado em mero instrumento econômico, o MDL perdeu muito do seu apelo. Mas há outros fatores que, no Brasil, têm reduzido o volume de projetos de MDL. Desses, dois são aqui destacados: a questão da natureza jurídica dos certificados de emissões reduzidas (CERs) e a questão da tributação dos negócios envolvendo certificados.
A natureza jurídica do certificado de emissões reduzidas é um tema polêmico e muitas opiniões têm sido trazidas ao debate. Em síntese, são cinco as potenciais categorias para se classificar os certificados: commodity, título mobiliário, prestação de serviço, bem incorpóreo e valor mobiliário. A ausência de fungibilidade e vinculação do certificado à atividade de MDL; a existência de equivalência monetária, e não obrigação pecuniária em si; e a inexistência de uma prestação de serviço, e sim a realização de uma cessão de crédito, são elementos a afastar a consideração do certificado como commodity, título mobiliário ou prestação de serviços.
Assim, pende entre bem incorpóreo e valor mobiliário a classificação para o certificado de emissões reduzidas. Parece correto dizer que o objeto do certificado pode ser havido como um bem, de natureza incorpórea, enquanto que o certificado propriamente dito não seria um bem, mas sim um valor mobiliário. O bem objeto da atividade de MDL é a redução de emissão de gases de efeito estufa. O certificado representa o valor equivalente, de natureza mobiliária, desse bem.
Afastamo-nos pois do projeto de lei, em trâmite no Senado Federal, ainda sem número, para o qual o certificado de emissões reduzidas é "um ativo intangível e transacionável". Preferimos ver o certificado como o título que representa o valor equivalente deste bem, não com ele se confundindo. Nesse contexto, tratando-se de valor mobiliário, sujeita-se o certificado às regras e condições a serem definidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de forma a se disciplinar sua circulação.
Soa despropositada qualquer iniciativa de atribuir carga tributária às receitas obtidas com certificados de emissões
O segundo ponto diz respeito à tributação dos negócios e da receita obtida a partir das negociações dos certificados de emissões reduzidas, aspecto que pode onerar o projeto como um todo, interferindo até mesmo em sua viabilidade econômica. Ora, quer nos parecer absurda a idéia de se atribuir carga tributária, de qualquer ordem que seja, a um instrumento que, em sua essência e propósito, é e somente pode ser visto e havido como um instrumento de ordem econômica, voltado e atrelado à viabilização, por meio da indução de um mercado, de propósito maior, de ordem ambiental pura, qual seja, o propósito do combate à mudança do clima e aos seus efeitos, posto na convenção-quadro sobre a mudança do clima. Nesse contexto, em que se internaliza um instrumento que se reveste como um mecanismo de estímulo econômico a um propósito maior, já soa em si despropositada qualquer iniciativa de atribuição de carga tributária a seus elementos ou resultados.
Haroldo Machado Filho e Bruno Kerlakian Sabbag destacam, na tese "Classificação da Natureza Jurídica do Crédito de Carbono", que o sistema cuida em sua estrutura internacional do ponto, estabelecendo duas ordens de tributação internacional a serem aplicadas ao MDL e seus instrumentos, por meio do artigo 12, inciso 8º do Protocolo de Kyoto: uma para cobrir despesas administrativas e outra para auxiliar as partes mais vulneráveis em sua adaptação aos efeitos adversos da mudança global do clima. O tributo para fazer face aos custos de adaptação foi definido em 2% da quantidade total de certificados de emissões reduzidas emitida para o projeto de MDL, sendo que os projetos hospedados nos países menos desenvolvidos são isentos desse tributo internacional, nos termos do artigo 15 da Decisão nº 17 da Conferência das Partes.
O ponto levantado pelos autores é de todo fundamental, dado que, para além de se estar aqui tratando de um sistema trazido com o objetivo de se estimular um resultado ambiental, a partir de um mecanismo econômico, tem-se o fato de que a temática tributária viu-se tratada e regulada nessa esfera maior, de âmbito internacional, nada justificando onerar-se o mecanismo pela tributação interna. Fazê-lo significaria desestimular o mercado e o instrumento, na contra-mão do que se pretendeu ao criá-lo.
Nesse contexto, manifestações da Receita Federal opinando pela incidência de tributos sobre os negócios de transferência de certificados de emissões reduzidas; normas e regulamentos que o classificam como serviço; e manifestações outras, que vemos no debate sobre o tema, nos parecem equivocadas, seja porque se está diante de um valor mobiliário, seja porque não faz senso estabelecer qualquer forma de incidência tributária sobre o certificado e os negócios que o envolvem.
O segundo período de compromisso, em negociação, trará novos instrumentos para a busca da redução das emissões de gases de efeito estufa. As lições aprendidas com o MDL não podem ser ignoradas, sob pena de, uma vez mais, concluir-se que o homem ainda não está maduro para valer-se das relações econômicas como vetor de resultado ambiental, e não simplesmente o contrário.
Werner Grau Neto é advogado, sócio da área de sustentabilidade e mudança do clima do escritório Pinheiro Neto Advogados e mestre e especialista em direito internacional pela Universidade de São Paulo (USP)
Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/legislacaoetributos/legislacaoetributos/Questoes+pendentes+do+Protocolo+de+Kyoto,08138,,86,5092707.html>.
Acesso em: 13 ago. 2008
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