sábado, 25 de outubro de 2008

Mudanças Climáticas

Mudanças Climáticas

Pesquisa FAPESP
Fabrício Marques
set. 2008, n. 151, p. 16-23.


O maior e mais articulado esforço multidisciplinar já feito no Brasil para ampliar o conhecimento a respeito das mudanças climáticas globais foi deflagrado no final do mês passado. Cientistas do estado de São Paulo de múltiplas áreas – das ciências físicas e naturais às humanidades – estão sendo convocados a participar do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, lançado oficialmente na manhã de 28 de agosto. Serão investidos R$ 100 milhões nos próximos dez anos – ou cerca de R$ 10 milhões anuais – na articulação de estudos básicos e aplicados sobre as causas do aquecimento global e de seus impactos sobre a vida das pessoas. “O objetivo é intensificar em quantidade e qualidade a contribuição dos pesquisadores de São Paulo no avanço do conhecimento sobre este tema complexo e temos expectativa de que o programa propicie a produção de mais estudos em assuntos nos quais o Brasil tenha interesse específico”, afirma o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. “Esperamos que o aumento da produção científica brasileira nesse tema garanta ao país um espaço maior no debate mundial sobre as mudanças climáticas”, disse.
Foram lançadas duas chamadas de propostas, no valor total de R$ 16 milhões, divididos em partes iguais entre a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex). Uma das chamadas, com um montante de R$ 13,4 milhões, abrange projetos em seis temas distintos. O primeiro é o funcionamento de ecossistemas, com ênfase na biodiversidade e nos ciclos de carbono e de nitrogênio. O segundo é o balanço da radiação atmosférica, em especial estudos sobre os aerossóis; os chamados gases-traço (monóxido de carbono, ozônio, óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis, entre outros); e a mudança no uso da terra. O terceiro trata dos efeitos das mudanças climáticas sobre a agricultura e a pecuária. O quarto, da energia e do ciclo de gases de efeito estufa. O quinto aborda os impactos na saúde e o sexto, as dimensões humanas da mudança ambiental global. Como o objetivo do programa em sua fase inicial é formar e articular redes de pesquisadores, a FAPESP optou por oferecer recursos para projetos temáticos, mas futuras chamadas de propostas poderão dispor de outras modalidades de financiamento, como Apoio a Jovens Pesquisadores. Convênios com fundações de amparo à pesquisa de três estados, Amazonas, Pará e Rio de Janeiro, serão contemplados em editais a serem lançados nas próximas semanas.
A justificativa para o lançamento do programa vai além da premente necessidade de fazer avançar o conhecimento no Brasil nesse tema num momento em que há uma mobilização mundial de cientistas para compreender as mudanças climáticas e tomar atitudes para enfrentar suas conseqüências. Como há uma série de impactos e aspectos relacionados ao aquecimento global que afetam ou afetarão o Brasil de forma peculiar, cabe aos pesquisadores nacionais investigá-los e encontrar respostas sobre como enfrentá-los. “Os países desenvolvidos querem envolver todos os países em desenvolvimento na mesma grande batalha mundial para reduzir as emissões de gases estufa. Eles estão preocupados com a adaptação às mudanças climáticas, mas não com a nossa adaptação”, afirmou Carlos Nobre, coordenador do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais e do recém-criado Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Como é consenso entre a grande maioria dos cientistas, a ação humana está contribuindo decisivamente para as mudanças climáticas em razão da emissão de gases e aerossóis que provocam o efeito estufa. As contínuas alterações no padrão de cobertura vegetal do Brasil, por exemplo, são um importante fator regional do fenômeno. A queima de florestas, além de comprometer a qualidade do ar, é uma fonte relevante de aerossóis e gases-traço. A mudança no regime de chuvas, a que se atribui uma freqüência maior de eventos extremos como inundações e secas, promete ter efeitos econômicos na geração das hidrelétricas, na erosão do solo ou na oferta de água. A elevação da temperatura deverá ter impacto na biodiversidade, especialmente em áreas em que a vegetação original já se fragmentou, ou na agricultura, com a possibilidade de eclosão de novas pragas e a inviabilidade de manter em suas regiões atuais culturas agrícolas dependentes de temperaturas amenas. A provável elevação do nível do mar traz riscos tanto para os milhões de brasileiros que vivem no litoral quanto para os ecossistemas costeiros. No campo da saúde, prevê-se um aumento da incidência de doenças como a dengue e a malária em regiões mais atingidas pelas chuvas e de moléstias cardíacas e respiratórias agravadas pela poluição atmosférica. Essa perspectiva sombria coloca uma infinidade de perguntas ao escrutínio dos pesquisadores.
Carlos Nobre enumera algumas ambições desse esforço de investigação. Uma delas é reduzir as incertezas acerca das causas das mudanças climáticas no Brasil. “Nós observamos as mudanças, mas temos dificuldade em definir se são efeito do aquecimento global ou do desmatamento. No Brasil há uma alteração da vegetação significativa que ocorre em paralelo aos fenômenos climáticos e às vezes os sinais se confundem”, afirma Nobre. “Como políticas públicas precisam de conhecimentos científicos sólidos, é necessário investir em estudos capazes de atribuir as causas”, diz. Um foco adicional será o mapeamento das vulnerabilidades do país às mudanças climáticas em campos como a saúde, a agricultura, os recursos hídricos e as energias renováveis. “Temos pouco conhecimento dos impactos futuros na vida das pessoas e na sociedade. Ao levantarmos nossas vulnerabilidades, conseguiremos também traçar políticas para a necessária adaptação.”
O estreitamento de colaborações internacionais, a fim de colocar os pesquisadores brasileiros em contato com os melhores centros em estudos de mudanças climáticas do planeta, é outro objetivo do programa. A cooperação é fundamental – o Programa Internacional da Geosfera-Biosfera (IGBP) ou o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), entre outros, estão na mira do programa lançado pela FAPESP. Outra meta consiste em conhecer e desenvolver novas tecnologias capazes de amenizar os efeitos das emissões de gases estufa, no campo, por exemplo, das energias renováveis, e tornar possível a adaptação da sociedade às mudanças incluindo o estabelecimento de parcerias com o setor privado. Na área da agricultura existe uma série de desafios tecnológicos no horizonte, como, por exemplo, adaptar culturas a temperaturas mais elevadas. “Há boas idéias que merecem ser alvo de esforços de pesquisa, como os sistemas agrossilvopastoris, que conjugam pecuária de alta produtividade, culturas agrícolas e plantio de árvores, ou técnicas como a arborização de cafezais”, disse Eduardo Assad, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que também participa da coordenação do programa da FAPESP. “Também precisamos aperfeiçoar as medições sobre a capacidade da agricultura de seqüestrar carbono”, afirma.

Uma segunda chamada de propostas, com R$ 2,6 milhões, tem o propósito específico de escolher um grupo de pesquisadores incumbido de criar o primeiro modelo climático brasileiro, um software capaz de fazer simulações sofisticadas sobre fenômenos do clima. A necessidade de desenvolver competência nacional nesse campo se explica: hoje, para projetar os efeitos das mudanças climáticas, utilizam-se ferramentas computacionais inespecíficas que são, na verdade, recortes da previsão para o mundo inteiro. “Conquistar essa autonomia é estratégico para o país”, diz Carlos Nobre. “O Brasil é grande, diverso e dispõe de uma grande variedade de climas em seu território. A exploração econômica é muito ligada a recursos naturais, dependente em grande parte do clima. A capacidade de fazer simulações de maior interesse para Brasil e América do Sul nos dará garantias de que as projeções serão de boa qualidade.” De acordo com ele, o Brasil vai entrar no grupo seleto de países, como Estados Unidos, Japão e Inglaterra, que têm um modelo climático. Com isso, a comunidade científica dessa área vai crescer em importância.
O pesquisador explica que para desenvolver e refinar o modelo climático o Brasil não irá começar do zero. “Faremos parcerias com dois ou três centros do melhor nível mundial e poderemos escolher alguns módulos dos modelos deles para agregar ao nosso. Mas pretendemos desenvolver um modelo competitivo e adequado para entender o que acontece num país de dimensões continentais como o nosso”, afirma Nobre, que vê um prazo de pelo menos quatro anos para alcançar esse objetivo. Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, expõe a expectativa da Fundação em relação ao modelo. “Gostaríamos que, em algum momento, um cenário climático gerado pelos pesquisadores de São Paulo fosse usado como base para as análises do IPCC”, diz ele, referindo-se ao colegiado de cientistas reunido pelas Nações Unidas, que a cada cinco anos atualiza o conhecimento sobre as mudanças globais. “Uma coisa boa da chamada de propostas é que serão contempladas bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Com isso, poderemos planejar formação de doutores em áreas de grande complexidade”, disse Nobre.
A criação do modelo climático brasileiro será possível graças a um investimento no valor de R$ 48 milhões, anunciado há cerca de dois meses. O Inpe vai abrigar um dos mais poderosos supercomputadores do mundo, com capacidade de processamento de 15 trilhões de operações matemáticas por segundo, para pesquisa de mudanças climáticas. Do total de R$ 48 milhões, R$ 35 milhões vêm do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e R$ 13 milhões da FAPESP. O investimento conjuga a prioridade ao estudo das mudanças climáticas definido pelo MCT com o programa da FAPESP. “Com esse tipo de instrumento computacional altamente potente será possível coordenar o clima como ninguém imaginou há 60 anos”, afirmou o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende.
O Inpe se ofereceu para abrigar a secretaria executiva do novo programa e já começa a se preparar para receber o supercomputador, que deverá operar a partir de 2009. A máquina será instalada no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) no município de Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba. Trinta por cento do tempo do supercomputador será reservado para as redes de pesquisadores de todas as áreas vinculados ao programa, para que possam simular os efeitos do clima na saúde humana, na biodiversidade, na agricultura e pecuária e assim por diante. O diretor científico da FAPESP chama a atenção para o apoio que o Inpe dispôs-se a oferecer ao programa: além de abrigar o supercomputador, o instituto disponibilizará pessoal especializado para dar suporte ao uso da máquina. Cinco pesquisadores serão contratados para essa tarefa, coordenados por um cientista-chefe. “Trata-se de um grau de apoio institucional especial que poucas vezes obtivemos em nossos programas”, afirma Brito Cruz.

matéria na íntegra aqui:
Disponível em: <http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3627&bd=1&pg=1&lg=>. Acesso em: 25 out. 2008.

Postado por Elizabeth Santos

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